Outra coisa, entretanto, é a espetacularização do julgamento transmitido pela TV. Ai é ineludível a feira das vaidades o vezo ideológico que perpassa sobre a maioria dos discursos.
Desde A Ideologia Alemã de Marx/Engels (1846) até Conhecimento e Interesse de J. Habermas (1968 e 1973) sabemos que por detrás de todo conhecimento e de toda prática humana age uma ideologia latente. Resumidamente podemos dizer que aideologia é o discurso do interesse. E todo conhecimento, mesmo o pretende ser o mais objetivo possível, vem impregnado de interesses. Pois assim é a condição humana. A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. E todo o ponto de vista é a vista de um ponto. Isso é inescapável. Cabe analisar politica e eticamente o tipo de interesse, a quem beneficia e a que grupos serve e que projeto de Brasil tem em mente. Como entra o povo nisso tudo? Ele continua invisível e até desprezível?
A ideologia pertence ao mundo do escondido e do implícito. Mas há vários métodos que foram desenvolvidos, coisa que exercitei anos a fio com meus alunos de epistemologia em Petrópolis, para desmascarar a ideologia. O mais simples e direto é observar a adjetivação ou a qualificação que se aplica aos conceitos básicos do discurso, especialmente, das condenações.
Em alguns discursos como os do Ministro Celso de Mello o ideológico é gritante, até no tom da voz utilizada. Cito apenas algumas qualificações ouvidas no plenário: o “mensalão” seria “um projeto ideológico-partidário de inspiração patrimonialista”, um “assalto criminoso à administração pública”, “uma quadrilha de ladrões de beira de estrada” e um “bando criminoso”. Tem-se a impressão que as lideranças do PT e até Ministros não faziam outra coisa que arquitetar roubos e aliciamento de deputados, em vez de se ocupar com os problemas de um país tão complexo como o Brasil.
Qual o interesse, escondido por detrás de doutas argumentações jurídicas? Como já foi apontado por analistas renomados do calibre de Wanderley Guilherme dos Santos, revela-se aí certo preconceito contra políticos vindos do campo popular. Mais ainda: visa-se aniquilar toda a possível credibilidade do PT, como partido que vem de fora da tradição elitista de nossa política; procura-se indiretamente atingir seu líder carismático maior, Lula, sobrevivente da grande tribulação do povo brasileiro e o primeiro presidente operário, com uma inteligência assombrosa e habilidade política inegável.
A ideologia que perpassa os principais pronunciamentos dos ministros do STF parece eco da voz dos outros, da grande imprensa empresarial que nunca aceitou que Lula chegasse ao Planalto. Seu destino e condenação é a Planície. No Planalto poderia penetrar como faxineiro e limpador dos banheiros, como aliás parece ter sido o primeiro trabalho do Ministro Joaquim Barbosa no STE. Mas nunca como Presidente.
Ouve-se no plenário ecos vindos da Casa Grande que gostaria de manter a Senzala sempre submissa e silenciosa. Dificilmente se tolera que através do PT os lascados e invisíveis começaram a discutir política e sonhar com a reinvenção de um Brasil diferente. Tolera-se um pobre ignorante e mantido politicamente na ignorância. Tem-se verdadeiro pavor de um pobre que pensa e que fala. Pois Lula e outros líderes populares ou convertidos à causa popular como João Pedro Stedile, começaram a falar e a implementar políticas sociais que permitiram uma Argentina inteira ser inserida na sociedade dos cidadãos.
Essa causa não pode estar sob juízo. Ela representa o sonho maior dos que foram sempre destituídos. A Justiça precisa tomar a sério esse anseio a preço de se desmoralizar, consagrando um status quo que nos faz passar internacionalmente vergonha. Justiça é sempre a justa medida, o equilíbrio entre o mais e o menos, a virtude que perpassa todas as virtudes (“a luminossísima estrela matutina” de Aristóteles). Estimo que o STF não conseguiu manter a justa medida. Ele deve honrar essa justiça-mor que encerra todas as virtudes da polis, da sociedade organizada. Então sim se fará justiça nesta país.
Leonardo Boff é professor aposentado de Ética da UERJ
2 comentários:
Todo e qualquer sistema instalado é determinado por um conjunto de instintos que são de dois tipos: afirmativos e glorificadores da vida ou negativos e caluniadores. A moral, seja ela qual for, tem um fundamento psicofisiológico, ou seja, é a partir do corpo do sujeito que julga e da forma como este com aquele se relaciona que se constitui a perspectiva sobre a vida chamada valor. A moral, nas suas diversas formas, é manifestação ou sintoma de uma determinada espécie de vida: ascendente ou descendente.
«Destruir o sistema ou lutar contra ele» significa destruir uma certa espécie de moral, mostrar a sua imoralidade, ou seja, que ela satisfaz instintos de ódio, vingança e ressentimento que são um desmentido dos seus próprios princípios. Veremos mais adiante como essa operação corrosiva se efectua.
«Libertar a vida» significa libertar uma certa forma de vida de uma moral que a intoxica, a denigre e impede a sua plena manifestação. NIetzche,
Concordo que existe a espetacularização pela mídia e o judiciário pega a viajem. Concordo também que existe a ideologia por tras dos discursos. Porém, Mesmo que os Ministros do STF queiram condenar os autores do mensalão, isso não é uma vingança contra os políticos que vieram do movimento popular como é o caso de muitos do PT. Dizer que eles são a irracionalidade das elites não justifica que eles não devem pagar os erros e não serem condenados. Se fossem políticos da tradição elitista o tratamento deveria ser o mesmo.
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