quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Uma Declaração Musical aos Direitos Humanos







"A música é o silêncio em movimento", como bem afirmou o escritor Fernando Sabino. Este pensamento encerra toda a síntese do show de 10 de dezembro, onde vamos celebrar os 30 anos de carreira da cantora Titane e os 63 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A vida tem me ensinado que o silêncio e a palavra são dois irmãos siameses. Um tem falta e precisa do outro. Estão sempre juntos e partilham órgãos vitais: um só coração e um só pulmão. O silêncio é uma palavra em maturação e, às vezes clama, como um amante perdidamente apaixonado pela palavra. Como se uma parte tivesse sido arrancada dele. A palavra nasce do silêncio e precisa do silêncio para se alimentar da beleza, do pão da sabedoria e de energia interior para sua manifestação. Em outros momentos o silêncio é uma palavra vibrante, o que já foi reprimida e contida, é uma busca de um diálogo interior de um ser pensante. Ainda a palavra é o silêncio que quer comunicar, que rompe a solidão, que quer plateia, quer subir nos palcos da vida.

Encontramos a busca da harmonia, de uma simbiose criativa e criadora, da palavra e do silêncio, como sua expressão maior na MÚSICA. Ela subverte os sinais e os símbolos tradicionais, se revela e desvela, se desnuda em MOVIMENTOS. Aí é o perigo que os censores de 1964 e de outros períodos, o poder repressor de 64 e de outras datas, sabiam muito bem. Por isto nunca gostaram de artistas, músicos e cantores... Cantar e fazer arte em geral era algo visto como perigo pelo poder militar/empresarial autoritario. A ideologia de segurança nacional, importada dos Estados Unidos tinha a censura estatal seu braço de controle e violêcia.

A repressão sabia desta força mobilizadora da música, pois ela rompe barreiras, constrói reinos de liberdade. Ela se torna âncora de quem protesta, vela para quem sabe que é preciso sempre navegar, mar para quem sabe que a única pátria que o homem deve ter é a justiça... A música é este silêncio que movimenta corações e mentes, que derruba muros e mobiliza energias do bem.

Titane, conheceu a realidade dos anos de chumbo ainda criança em sua vida familiar, como disse: “Ainda antes dos 10 anos de idade, a ditadura me apareceu na televisão. E também em sucessivas tardes em que minha mãe ia rezar naquele momento pois, Tia Inês grávida, deveria se apresentar no DOPS em Belo Horizonte”. Experiência forte que marcou sua vida.

Começou a cantar nos movimentos de luta pela anistia com os grupos Mambembe e Curare e ao lado de muitos heróis e heroínas da resistência democrática e dos direitos humanos, como a saudosa Dona Helena Greco. Destacou-se com seu timbre claro e agudo, que a diferenciava no cenário musical; com a força e emoção que colocava em cada palavra, gestos e notas musicais. Assim ela se expressou: "A voz de cabeça (este é o nome do timbre que uso naturalmente) me lava e limpa o pensamento, a penumbra que cobre meu coração."

Sua voz era um grito de contestação e resistência não só aos jargões e padrões da indústria da música, mas uma VOZ que anunciava a liberdade das Minas, o grito das culturas oprimidas das Gerais, a defesa da vida daqueles que gritavam por democracia. Sua VOZ ecoava pelos ventos nas montanhas clamando por direitos. Sua VOZ era uma expressão perigosa para aqueles que usurparam o poder da sociedade. Ela explicita este seu engajamento: “A dupla atuação dentro da arte e do cotidiano dos movimentos populares e das causas coletivas foi sempre uma realidade na minha vida e um conflito que administrei com dificuldade. Mas, sempre foi um impulso natural no meu comportamento”.

Titane é um símbolo, entre tantos outros artistas, de militância deste mundo da cultura que a ditadura militar tentou impor o silêncio, mas que soube fazer da dor um canto, do canto músicas que alimentaram a esperança do povo, da esperança um despertar de solidariedade. O silêncio imposto foi criador. Os que agiam nas sombras e tinham a noite como aliada perderam. A história do Brasil e de outros países prova isto. O silêncio se fez música e mostrou seu movimento encantado de que os direitos humanos serão sempre a palavra que se faz carne e anuncia uma vida melhor para todos, com liberdade, democracia, educação, saúde, meio ambiente, trabalho, terra livre, moradia, fim de qualquer forma de intolerância e discriminação e, principalmente, ao direito de ter direitos.

Por tudo isto e muito mais, é bom para a Comissão de Direitos Humanos, ao celebrarmos 63 anos da Declaração, prestarmos essa homenagem a todos da arte, a todos da música, que sempre souberam driblar a censura (“Você corta um verso, eu escrevo outro/ Você me prende vivo, eu escapo morto/ De repente olha eu de novo. (....) Que medo você tem de nós, olha aí...."). Mesmo quando a censura cortava todos os versos, e impunha o silêncio, a tortura e até a morte, os sussurros se faziam músicas e ecoavam pelas montanhas: liberdade ainda que tarde...

Interessante lembrar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela ONU, em 10/12/1948, tem exatamente 30 artigos. Coincidência? Talvez... Exatamente os 30 anos de carreira de nossa cantora homenageada: ANA ÍRIS, carinhosamente TITANE.


Durval Ângelo

Presidente da Comissão de Direitos Humano da Assembleia.




FOTO: DIVULGAÇÃO

Titane no Music Hall

Uma declaração musical aos direitos humanos

A intérprete oliveirense Titane se apresenta no próximo dia 10 de dezembro, às 21h, no Music Hall em Belo Horizonte. O espetáculo marcará os 30 anos de engajamento da cantora na causa dos direitos humanos. Embalada pela canção Rio Araguaia (Toninho Camargos/Ricardo Faria), há exatas três décadas Titane engrossava o coro em prol da Campanha pela Anistia. Emblemática, a canção servia de hino aos que corriam na luta a favor dos Direitos Humanos e foi apresentada em Oliveira, no show da cantora realizado no quintal da Casa da Cultura Carlos Chagas.


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