segunda-feira, 27 de junho de 2011

Estado e religião, uma separação necessária

Nessa toada, o Brasil assiste à transferência para a Justiça das decisões sobre a necessidade de um Estado laico

Alessandra Mello

O Estado tem de ser laico. Essa deveria ser uma causa advogada pelos integrantes dos três poderes e também de todos os credos religiosos. Um Estado laico é a principal condição para o exercício da liberdade religiosa e do não credo, preceito estabelecido há mais de meio século pela Declaração dos Direitos Humanos e também assegurado pela Constituição Brasileira de 1988. Nele, todas as religiões têm direito a liberdade de culto e de expressão sem serem perseguidas ou cerceadas pelos governos. Também têm a mesma garantia todos aqueles que não professam nenhuma religião.


No entanto, a defesa do Estado laico não significa extirpar a fé de todos os processos sociais. Não é preciso banir os símbolos religiosos dos estabelecimentos públicos, muito menos abolir feriados santos. Nada disso. Significa apenas não tutelar comportamentos nem políticas públicas, principalmente aqueles regidos por legislações vindas dos parlamentos, sob a ótica de algum credo.

Se católicos e evangélicos são contra a união civil entre pessoas do mesmo sexo, tudo bem. Nenhum deles será obrigado a realizar casamentos gays por causa disso. Se também são contra pesquisa com células-tronco, uso de camisinha ou aborto, a mesma regra se aplica. A liberdade de expressão é uma garantia constitucional, e católicos ou evangélicos podem pregar em seus templos que todos esses comportamentos são pecaminosos e não devem ser cometidos pelos seus seguidores, sob pena de arderem no fogo do inferno. O que não podem é tentar impor uma moral religiosa para todos, professem ou não alguma fé.

Essa é uma discussão que o Brasil ainda não enfrentou claramente. Todos que até hoje passaram pelos mais altos postos da República, do Legislativo ao Executivo, não encaram o assunto. A prova maior é que em todo ano eleitoral candidatos aos mais diversos cargos fazem peregrinação pelas igrejas e templos em busca do apoio de líderes religiosos. Confrontados com assuntos espinhosos que envolvem algum tipo de moral religiosa, a maioria quase sempre se esquiva. Ou então muda de opinião, como aconteceu na disputa presidencial passada, quando os defensores de certas causas polêmicas, como aborto e drogas, viraram contrários, e os opositores assumidos ficaram em cima do muro. Tudo por medo de melindrar o eleitor.

Nessa toada, o Brasil assiste à transferência para a Justiça das decisões sobre a necessidade de um Estado laico. Caso recente das decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o casamento gay. Entre os contrários ao tema, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil teve direito a palavra e escalou um advogado para representá-la, em vão, no processo em que a Corte reconheceu a união entre pessoas do mesmo sexo. O mesmo ocorreu no caso da liberação das células tronco e na legalização das marchas em defesa da descriminalização do uso da maconha.

Os próximos temas sobre os quais o STF vai se debruçar para ditar regras são a obrigatoriedade do ensino religioso no Brasil e o aborto de bebês sem cérebro. Tramitam no STF diversas ações questionando esses assuntos. Esses mesmos temas são alvos de projetos em tramitação no Congresso Nacional, alguns há décadas, mas que não andam em função da pressão contrária da bancada religiosa e do corpo mole da não religiosa, aliada a um temor que o Executivo tem de tratar desses assuntos. Exemplo recente desse medo foi a suspensão do kit anti-homofobia, que o Ministério da Educação preparava para distribuir nas escolas, por causa da pressão da bancada religiosa do Congresso.

É nessa inoperância do Congresso Nacional que o Poder Legislativo tem agido. E todas suas recentes decisões têm sido no sentido de garantir a separação entre Estado e religião e a modernização da legislação e dos costumes brasileiros. E a aposta é que as futuras decisões da outrora vetusta Corte também sigam essa tendência.

Twitter: @AMelloreporter

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