sábado, 28 de janeiro de 2012

Receita Reality show... hedonismo, voyeurismo e privação de direitos: espéculo do humano

Rodrigo Marzano Antunes Miranda*




Sempre me perguntei: porque tanta gente assiste reality shows? Encontrei a resposta no conceito de hedonismo (do grego hedonê, "prazer", "vontade") que é uma teoria ou doutrina filosófico-moral que afirma ser o prazer o supremo bem da vida humana.

Aprendi a perceber o porque de tantas festas e pessoas no padrão estrutural de beleza física da sociedade moderna. O significado deste termo – hedonismo – em linguagem comum, bastante diverso do significado original, surgiu no iluminismo e designa uma atitude de vida voltada para a busca egoísta de prazeres materiais.

Cheguei a triste conclusão: olhar pelo buraco da fechadura é muito bom! Por este motivo muitos o assistem. Este tipo de programa mexe com o instinto mais primitivo da sociedade, a curiosidade, revelada nos seres humanos antes dos quatro anos de idade. Isto nos remete ao conceito de voyeurismo que é uma prática que consiste em um indivíduo conseguir obter prazer sexual através da observação de outras pessoas. Essas pessoas podem estar envolvidas em atos sexuais, nuas, em roupa interior, ou com qualquer vestuário que seja apelativo para o indivíduo em questão, o/a voyeur.

A prática do voyeurismo manifesta-se de várias formas, embora uma das características-chave é que o indivíduo não interage com o objeto (por vezes não cientes de estarem sendo observados); em vez disso, observa-o tipicamente a uma relativa distância, talvez escondido, com o auxílio de binóculos, câmeras, etc., o que servirá de estímulo para a masturbação, durante ou após a observação.Trazendo assim muito prazer.

Resolvi escrever sobre os reality shows, para refletir um plano de fundo que é sempre deixado de lado: a privação de direitos.

Jamais defenderia o fim de reality shows, mas uma oportunidade de discutir os limites deste tipo de programa, é meu verdadeiro intuito. Limites estes muitas vezes pautados unicamente pela busca da audiência. Questionar a exploração da intimidade para alcançar audiência, deveria ser a discussão central da sociedade, porém as indagações estão centradas, maquiadamente somente em um pequeno “escândalo”: a suspeita de estupro no BBB 12. A discussão deveria ser mais substâncial para a sociedade. Trabalhar o consentimento nas relações sexuais. Milhares de mulheres: nossas mães, empregadas, irmãs e outras são violentadas todas as noites e não há mobilização efetiva para isso.

Fato é que “não adianta abrir mão da ética no atacado e depois exigir um preceito ético num detalhe” (Renato Jaime Ribeiro), pois boa parte destes reality shows exploram um tipo de paixão humana que não é positiva. Estimulam a vontade de aparecer, de se exibir, geralmente com um sexualidade carregada. Os participantes são incitados e, por sua vez, incitam as pessoas a ficarem cada vez mais interesseiras e se utilizarem da intimidade para subir na vida. A sexualidade que deveria ser algo do mundo íntimo, ligada ao aprofundar-se na relação com outro, passa a ser tratada como mero “degrau”, intrumento de conquista. Tais programas não nos ajudam a ser mais felizes, pessoas melhores e/ou mais inteiras. Nesse sentido os escândalos e ‘injustiças’ do programa, nos afetam, nos fazem discutir. Seria correto continuar acreditando que a regra geral ainda é boa?

Os reality shows se parecem com um espéculo que é um instrumento com o qual o médico é capaz de enxergar, e examinar, o interior de uma cavidade do paciente, cuja forma dificulte essa abordagem direta. Dessa forma, entram em nossas casas e nos agridem, ditando nossa maneira de vida e incentivando entre outras coisas, olharmos para o próximo sempre com desconfiança.

Com objetivo semelhante ao endoscópio, difere na forma de visualização: o espéculo visa facilitar a visão do médico diretamente através do orifício, enquanto que o endoscópio utiliza uma fonte de luz e um visualizador de imagem.

Vivemos no mundo do imediato e somos a todo tempo “aconselhados”, quase que obrigados, a não esperar que uma fonte de luz faça as imagens aparecerem mais claras a nossa frente. Isto distorce o verdadeiro conceito que temos da palavra direito que possui mais de um significado correlato:

. sendo um sistema de normas de conduta imposto por um conjunto de instituições para regular as relações sociais, o que os juristas chamam de direito objetivo, a que os leigos se referem quando dizem "o direito proíbe a poligamia". Neste sentido, equivale ao conceito de "ordem jurídica". Este significado da palavra pode ter outras ramificações:

    • como o sistema ou conjunto de normas jurídicas de um determinado país ou jurisdição ("o direito português"); ou

    • como o conjunto de normas jurídicas de um determinado ramo do direito ("o direito penal", "o direito de família").

. ou a faculdade concedida a uma pessoa para mover a ordem jurídica a favor de seus interesses: o que os juristas chamam de direitos subjetivos, a que os leigos se referem quando dizem "eu tenho o direito de falar o que eu quiser" ou "ele tinha direito àquelas terras".

. ou ainda ao ramo das ciências sociais que estuda o sistema de normas que regulam as relações sociais: o que os juristas chamam de ciência do direito, a que os leigos se referem quando dizem "eu preciso estudar direito comercial para conseguir um bom emprego".

Apesar da existência milenar do direito nas sociedades humanas e de sua estreita relação com a civilização (costuma-se dizer que "onde está a sociedade, ali está o direito"), há um grande debate entre os filósofos do direito acerca do seu conceito e de sua natureza. Mas, qualquer que sejam estes últimos, o direito é essencial à vida em sociedade, ao definir direitos e obrigações entre as pessoas e ao resolver os conflitos de interesse. Seus efeitos sobre o cotidiano das pessoas vão desde uma simples corrida de táxi até a compra de um imóvel, desde uma eleição presidencial até a punição de um crime, dentre outros exemplos.

Os reality shows exibem nossa intimidade e a usam como moeda para conquistar alguém ou alguma coisa, onde sem dúvida alguma corremos o risco de abrir mão da dignidade do direito. Direito de serem reconhecidos como seres humanos, pois, estes nos veêm e pior que isso, recomedam a todos que nos vejam como um objeto, sendo este, um meio para se obter ganhos, aparecer, tornar-se alguém de sucesso e obter reconhecimento pela sociedade. Como filosófo tenho a obrigação de discutir os limites que a sociedade deve impor a tais programas, pois, a busca do prazer é fundamental para realização e felicidade do humano, porém o incentivo e aconselhamento da degradação da dignidade, em termos onde se admite que a sociedade, que “vigia”, que observa para se satisfazer, possa acuar as pessoas até a fome, até a dor física e agressões psicológicas. Situações estas, degradantes para mero entreterimento, admitindo assim o sadismo e a crueldade como coisas normais e necessárias ao prazer de uns frente aos outros.

Não obstante, os reality shows estão a cada dia mais na contramão das orientações da Organização das Nações Unidas – ONU, que trazem como Meta do Milênio, no 3° objetivo a igualdade entre sexos e valorização da mulher, buscando incentivar a autonomia feminina de forma que as mulheres passem a desempenhar papéis protagonistas na sociedade. Não protagonistas na sensualidade apelativa, exposta, a ferro e fogo, provocações futeis, mas na valorização do outro enquanto complemento do humano, não como mero objeto sem direitos que satisfaz mensões e impulsos primitivos. Isto os reality shows não incentivam a sociedade a discutir!



Bibliografia utilizada:

A escola cidadã no contexto da Globalização; edit. Vozes, Petrópolis, 1998 pág 48 à 63);

AHUMADA, J.C.-Tratado de Ginecologia. Rio de Janeiro, Editora Guanabara-Koogan, 1938;

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Boudieu, Pierre; Tudo sobre a televisão edit. Jorge Zahar;

Deleuze, Gilles; Pos- Scriptum sobre a Sociedade de controle edit. 34;

Folha de São Paulo, Mais! A TV depois do real;

Folha de São Paulo, TV folha Guerra de números;

Garcia Canclini, Néstor; um dicionário Para consumidores descontentes, folha de São Paulo 2002;

Hedonismo. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012. [Consult. 2012-01-26]. Disponível na www: http://www.infopedia.pt/$hedonismo>;

Machado, Arlindo; Máquina e imaginário edit. Usp;

Mazzari,Cristian; Attencion Economy em as multidões e o Império - entre a Globalização da Guerra e Universialização dos Direitos edit. DP&A;

Negri, Antônio; O Poder Constituinte- Ensaio sobre as alternativas da Modernidade edit. DP&A;

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Plano Brasil sem Miséria. Municipalização dos ODM e Participação Social. Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade. 2011.

Valpy, Francis Edward Jackson. An Etymological Dictionary of the Latin Language, Londres, 1828;

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* Graduado em Filosofia – Puc-MG (2003), pós-graduado em Fé e Política (lato sensu) – Puc-Rio (2005), pós-graduando em DSI (lato sensu) – Puc-MG (2010), assessor da ALMG (2008), professor da Equipe EDUCAFRO MINAS (2011) – Educação e Cidadania de Afro-descendentes e Carentes, rede de cursinhos pré-vestibulares comunitários (Filosofia, Sociologia e Práticas de Cidadania em uma tônica de vestibular), militante de pastorais sociais da Igreja Católica e do Partido dos Trabalhadores – PT, gestor da Escola Estadual de Formação Política do PT/MG, dirigente nacional da JPT e membro da TRIBO-MG (movimento de tendência do Partido).

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