Com certo alarde, os noticiários dão conta de que a Lei Seca agora é para valer e que a fiscalização vai ser rigorosa, adotando na capital mineira os moldes praticados na cidade do Rio de Janeiro. Desnecessário dizer que a Lei Seca já deveria estar sendo aplicada há muito tempo e, ainda, que não precisamos copiar nada do que se pratica no Rio de Janeiro. A lei é única, não fazendo distinções territoriais.
No entanto, desde já, necessário um exame mesmo que superficial sobre o tema, principalmente, a respeito de quem deve se submeter ao exame. Tudo, a rigor, dentro do texto legal.
Segue, então, o dispositivo legal, artigo 277 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB):
Artigo 277 – Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência do álcool, será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo Contran, permitam certificar seu estado.
§ 1º – Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos.
§ 2º – A infração prevista no artigo 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor.
§ 3º – Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no artigo 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo.
Visto, mesmo sem muito esforço, que o condutor está obrigado a submeter-se ao exame de alcoolemia em duas situações distintas: quando se envolver em acidente de trânsito ou então quando for alvo de fiscalização por suspeita de dirigir sob a influência de álcool.
No entanto, o que se tem visto e propagado é que os veículos estão sendo parados, seus condutores identificados, exigidos os documentos do automotor e, depois, sem que se enquadre em nenhuma das duas situações previstas em lei, são compelidos a fazer em via pública, diante dos olhares de curiosos de todas as espécies e sem a menor reserva, o exame de alcoolemia.
D.m.v., o constrangimento é patente e abusivo.
Importante, ainda, analisar a expressão “sob influência” no contexto legal, como inserida nos artigos 165 e 277 do Código de Trânsito Brasileiro.
Como sustentado pelos estudiosos da matéria, outra não pode ser a interpretação senão a de que "sob influência" significa uma alteração no ânimo da pessoa causada pelo álcool. Não basta que se tenha ingerido uma pequena dose, sem alteração do ânimo, para a aplicação da penalidade administrativa e, dependendo do caso, criminal.
Nessa linha de raciocínio, o eminente jurista Luiz Flávio Gomes, por meio de brilhante trabalho publicado no Estado de Minas, neste caderno, lecionou:
“O que significa estar ‘sob a influência’ de uma substância psicoativa? O estar ‘sob influência’ exige a exteriorização de um fato (de um plus) que vai além da embriaguez, mas derivado dela (nexo de causalidade). Ou seja: não basta a embriaguez (o estar alcoolizado), impõe-se a comprovação de que o agente estava sob sua influência, que se manifesta numa direção anormal (que coloca em risco concreto a segurança viária)”.
Diante de toda esta polêmica que assombra motoristas, juristas e julgadores, a norma legal não se apresenta como socialmente eficaz, o que somente ocorre quando vista apta a produzir os efeitos por ela visados, ou quando encontra na realidade condições adequadas para produzir os seus efeitos. Assim, a falta de efetividade ou eficácia social pode decorrer tanto da elaboração defeituosa da norma (seja no preceito, seja na sanção) quanto da ausência de condições adequadas para produzir seus efeitos em face da realidade dos fatos.
De tudo, a conclusão a que chegamos é que há muito, na nossa história, os cantores, compositores, palhaços, jogadores de futebol etc. etc. que são os nossos legisladores não se preocupam com o que fazem e, muito menos, com as consequências do desmedido, uma vez que não são dados à reflexão e muito menos guiados pelo interesse público.
No contexto, prudente a lição de Beccaria: “Quereis prevenir os delitos? Fazei que as leis sejam claras, simples, e que toda a força da nação esteja aplicada a defendê-la, e nenhuma parte desta seja empregada a destruí-las” (BECCARIA. Dos delitos e das penas. Ed. Rio, 1979, p.110)
Finalmente, como sustenta o ilustre procurador regional da República Antônio Carlos Martins Soares, “tudo isso acaba por minar a própria efetividade das normas legais. É que por serem mal elaboradas tanto na forma como no fundo, passam a sensação de que terão vida curta e, também, por isso não ostentam outra condição própria das leis, ou seja, a sua durabilidade”.
Fonte: Jornal Estado de Minas (Só para Assinantes)
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