ENTREVISTA
Política 2.0
Marcelo Branco
*Por Roberto Villar Belmonte
O especialista em Tecnologia da Informação que coordenou a campanha eleitoral de Dilma Rousseff nas redes sociais, Marcelo Branco, 50 anos, finaliza um projeto para transformar a Casa de Cultura Mario Quintana em uma espécie de quartel-general virtual dos movimentos sociais mundiais que sacudiram o planeta em 2011 durante o Fórum Social Temático – que acontecerá em Porto Alegre entre os dias 24 e 29 de janeiro próximo. Nesta entrevista concedida ao jornal Extra Classe no final da tarde do dia 5 de dezembro, em Porto Alegre (RS), na Joner Produções, Branco, um dos idealizadores do Fórum Internacional de Software Livre analisa o papel da internet na política contemporânea e explica o surgimento e o potencial dos novos movimentos em rede.
Extra Classe – A crise econômica na União Europeia pode fazer ressurgir novas forças nacionalistas e de direita?
Marcelo Branco – A crise institucional e política dos partidos de centro-esquerda na Europa deu vazão para que governos de direita assumissem o poder. A desilusão do povo de muitos países europeus com a política em geral, com o sistema representativo, pode dar espaço para isso, como ocorreu na Espanha, que eu conheço mais, onde a direita venceu as eleições. Mas ao mesmo tempo tinha lá um movimento forte nas ruas que não era de direita. Eu acampei na praça de Barcelona. A origem deste movimento começa com a Lei Sinde (referência à ministra da Cultura da Espanha, Ángeles González-Sinde), uma iniciativa para tentar cortar e vigiar a internet em nome da defesa do chamado direito autoral clássico. Três partidos espanhóis, o Partido Socialista, o Partido Popular, que é a direita, e a Convergência e União, um partido de centro-direita catalão, fizeram um pacto para aprovar essa lei gerando um movimento de indignação dos internautas chamado No Les Votes. Essa mobilização organizou o movimento de 15 de março, de onde surgiu o movimento Democracia Real Já. Um milhão de pessoas se mobilizou em Madrid, 450 mil pessoas acamparam na praça de Barcelona. É uma questão da internet unida com a crise econômica, a Espanha é um dos países que mais sofre, criou aquele movimento de massa, talvez o maior vivido na Europa nos últimos anos.
EC – É correto afirmar que foi um movimento espontâneo? E até que ponto a Primavera Árabe influenciou nessa mobilização de massa na Europa?
Branco – A relação entre a Primavera Árabe, a Revolução Espanhola, até o que aconteceu em Londres, o que estava ocorrendo no Chile e o Ocupe Wall Street nos Estados Unidos é que são movimentos de massa. As pessoas estão na rua concretamente, acampando nas praças e tudo articulado na internet. Os protagonistas dessas mobilizações não foram as organizações tradicionais, os partidos políticos, sindicatos e associações. Já se observa esse movimento há mais tempo. Não é de agora. Portanto, não é espontâneo. São indivíduos que se articulam politicamente através de alianças feitas na internet. Até os militantes dos partidos estão lá, mas não são deliberações partidárias.
EC – Qual a principal diferença entre os movimentos sociais organizados por instituições tradicionais e os movimentos em rede?
Branco – Eu acho que os movimentos sociais conectados em rede são distintos dos movimentos organizados na era industrial. Os partidos e sindicatos organizam sua pauta e sua luta de forma hierárquica. Um partido vota o seu programa político e define prioridades. O sindicato também tira uma pauta de reivindicações votada em assembleia geral e hierarquiza sua luta. E era uma forma efetiva de funcionar. Isso persiste. Não acabou. Só que existem movimentos de nova ordem, com uma hierarquia mínima, extremamente horizontais. São dois movimentos que vão conviver. Mas não acho que seja possível os partidos políticos enquadrarem esses novos movimentos para a sua dinâmica de funcionamento.
EC – Quando começou essa nova forma de articulação política em rede?
Branco – As mobilizações 2.0 começaram há 12 anos em Seattle. Todos nós aqui em Porto Alegre e no mundo inteiro queríamos combater o neoliberalismo globalizante da Tatcher e do Reagan, mas não tínhamos força para levar ninguém pra rua. Surpreendentemente surge um movimento em Seattle com 80 mil pessoas protestando contra o Banco Mundial. Eles chamaram na época de Ação Social em Rede. O Fórum Social Mundial, a partir de 2001, tem a mesma experiência. Surpreendeu também os movimentos convencionais de esquerda. Os militantes mais ortodoxos dos partidos diziam: “o que querem esses caras? Eles não têm programa político pronto...”. Mas mobilizaram aquele monte de gente. Em seguida fui viver na Europa. E o mesmo ocorreu nas marchas contra a guerra do Bush pai, as manifestações de Gênova, com 100 mil pessoas, depois 80 mil pessoas em Barcelona.
EC – A direita pode se apropriar desses movimentos?
Branco – Eu acredito que não. Os movimentos que eu conheço mais, o espanhol, o chileno e o de Wall Street, não são movimentos de direita contra a democracia. Eles questionam o limite da democracia representativa. Como nos disse o Eduardo Galeano na praça de Barcelona, não pensem que os jovens que não votaram são contra a democracia, eles estão questionando os limites, não se sentem representados. Eles querem mais democracia, pois as ferramentas da internet podem possibilitar novas formas de participação. Além disso, eles questionam os limites da democracia interna dos próprios partidos políticos. O nativo digital é uma geração que já nasceu com a internet. É a primeira vez que a geração Y é protagonista dos movimentos sociais. São movimentos por mais democracia e mais participação. Tanto é que entre os principais eixos dos movimentos de Wall Street, da Espanha e do Chile, estão uma economia a serviço das pessoas, um novo sistema financeiro, e mais democracia direta, as pessoas não querem mais só votar de quatro em quatro.
EC – Qual o desafio do Fórum Social Temático que acontece novamente em Porto Alegre e na Região Metropolitana entre os dias 24 e 29 de janeiro de 2012?
Branco – Os protagonistas de hoje não são os mesmos do Fórum Social Mundial. Então é muito importante que o Fórum Social Temático faça uma conexão com esses novos movimentos. A mesma acusação que hoje é feita contra eles, alegando que não têm um objetivo claro, têm uma pauta enorme, têm um monte de contradições, é a mesma coisa que os partidos políticos diziam do Fórum Social Mundial em 2001. Se é um movimento novo, que não tem líderes destacados, é tudo em rede, claro que é contraditório, que tem na sua pauta uma série de reivindicações, desde o “Fora Renato Teixeira” até contra o sistema financeiro global. A tendência desse movimento é amadurecer, ainda é verde, no sentido político, mas tem um potencial de organização social incomparável com as organizações tradicionais.
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EC – Como será esse encontro em Porto Alegre?
Branco – Vamos fazer uma conexão global na Casa de Cultura Mario Quintana durante o Fórum Social Temático. Estamos trabalhando com vários movimentos da cultura digital para conectar Porto Alegre com esses vários movimentos e promover aqui um momento de diálogo global. Vamos ouvir os protagonistas desses novos movimentos. Com o projeto Conexões Globais 2.0 pretendemos fazer a conexão entre a história do Fórum Social Mundial e os novos movimentos sociais da internet global.
EC – No primeiro Fórum Social Mundial ainda havia muita resistência em relação ao movimento ambientalista, visto por muitos militantes de esquerda como pequeno-burguês. Isso mudou, já que o objetivo do Fórum Social Temático é engajar os movimentos sociais nas discussões da Rio+20, a Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável?
Branco – A formação marxista clássica, como a que eu tive, não contempla a ideia da luta ecológica como sendo uma luta de classes. Assim como a luta do feminismo. Os marxistas que ficaram entalados dentro de uma compota só conseguem enxergar as coisas sob a ótica da luta de classes clássica, não conseguem elaborar e ver os movimentos feministas, ecológicos, de software livre, de cultura livre, como movimentos sociais positivos. Tem um preconceito ainda. Não é geral. É óbvio que a luta ambiental e pela sustentabilidade do planeta cresceu em dimensão.
EC – Os problemas ambientais aumentaram...
Branco – Exato. Hoje existe uma conscientização da população que está muito sensibilizada para esses temas. E até os temas da minha área, como direitos civis na internet. Mas eu acho que as organizações tradicionais, os partidos e os sindicatos convencionais, ainda têm dificuldade para compreender estas lutas importantes e chave nesse período que estamos vivendo.
EC – Qual será o papel das redes sociais na próxima eleição no Brasil?
Branco – Acho que um papel maior do que teve na eleição passada, a primeira que tivemos com a internet livre, não mais tratada pelos legisladores como mass media, como rádio, tv e jornal. A mudança na legislação, graças a dois vetos do presidente Lula, passou a tratar a internet como um espaço de expressão individual. A campanha eleitoral no Brasil, mais do que na campanha eleitoral do Obama, deu protagonismo aos indivíduos para que eles se posicionassem. Além das formas tradicionais de formação de opinião, os partidos políticos e os candidatos, e a cobertura em rádio, tv e jornal, pela primeira vez um terceiro bloco formador de opinião se organizou no Brasil. O bloco dos apoiadores agindo nas redes sociais. Esse novo bloco não disputou só o voto dos indecisos, mas também os rumos das campanhas dos seus candidatos. A internet é descentralizada. Não é um release que o partido manda e todo mundo publica (risos).
EC – Qual foi a influência das redes sociais na última eleição?
Branco – Uma pesquisa feita por uma agência de comunicação grande constatou o que nós já sabíamos: apenas 32% dos conteúdos que circularam nas redes sociais vieram dos grupos de comunicação, dos portais; 30% vieram de indivíduos e 20% das coordenações de campanha. As redes sociais não são tudo, mas podem definir uma eleição. A internet tem uma coisa muito positiva, ela é um espaço de organização. Então ela serviu na última eleição, pelo menos na campanha da Dilma, que eu conheci de perto, como o principal espaço de organização. Todos os comícios eram convocados pela internet. E nós transmitíamos ao vivo. Havia 20 mil presentes, mas 30 mil acompanhando remotamente, blogando, tuitando e colocando no Facebook em tempo real. Nós conseguimos com que tudo que fosse falado nos comícios primeiro aparecesse na internet, sob a voz dos nossos apoiadores, antes de qualquer empresa de comunicação. Dizíamos que a melhor cobertura das eleições nós tínhamos que fazer. Conseguimos.
EC – Houve resistência dentro do partido?
Branco – Lula e Dilma foram os principais estimuladores do nosso trabalho na internet, pessoalmente. Houve incompreensões das coordenações do partido, pessoas que não viam a internet como algo importante. Mas quando não deu no primeiro turno, a culpa era das redes sociais (risos). É óbvio que as coligações partidárias terão que pensar na internet não só como espaço de disputa dos votos e da opinião pública da rede, mas principalmente como um espaço de formação de opinião, argumentos e contra-argumentos para que esse militante colha isso na rede e vá disputar na rua.
EC – Como vê os movimentos contra a corrupção no Brasil?
Branco – É um movimento conservador de direita insuflado pelas grandes empresas de comunicação. E reúne meia dúzia de gatos-pingados. Aqui em Porto Alegre tivemos uma experiência no dia 15 de outubro com uma marcha gigantesca. O 15O de Porto Alegre foi o maior do Brasil. Por quê? Ali teve a presença dos militantes partidários e sindicais. Mesmo que não tenha sido um ato partidário. Conseguimos unificar aqui militantes de esquerda de todos os partidos com outros movimentos e o movimento anti-corrupção queria se adonar do 15 de Outubro, que é um movimento global anti-capitalista. Os líderes do movimento anti-corrupção são capitalistas. Não têm nada mais quadrado do que a OAB. Eles usam a internet? Usam também. Qualquer um pode usar.
EC – E qual tua opinião sobre o movimento recente de um grupo de estudantes na Universidade de São Paulo contra a presença da polícia no campus?
Branco – Demonstra uma incapacidade desta gestão da USP de conviver com a democracia. Nós lutamos durante anos no Brasil pela autonomia universitária, para que a universidade fosse um território livre. Em época de democracia, a polícia não pode entrar lá. A repressão começou com o pretexto de que eram jovens que estavam ali fumando maconha. Mas foi desproporcional. Faltou diálogo. Uma coisa é resolver a questão dos estudantes que querem segurança dentro do campus porque estão sendo roubados, outra coisa é a polícia chegar batendo. Foi um absurdo. Mesmo que fosse uma minoria, com uma pauta que não abrangesse todos os estudantes da universidade, tinha que ter diálogo. Só que eles foram tratados na porrada. Isso é inaceitável.
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