O ministro do Desenvolvimento afirma que não fez nada ilegal ao faturar R$ 2 milhões fora do governo
LEANDRO LOYOLA E MARCELO ROCHA
Na ampla sala de reuniões ao lado de seu gabinete, o ministro do desenvolvimento, Indústria e Comércio, Fernando Pimentel, tira da mala preta dois envelopes e uma pasta transparente com notas fiscais e contratos. Ao pegar os papéis, suas mãos tremem um pouco. Pimentel fala mais rápido que o normal. Ele está nervoso porque, na semana passada, foi divulgado que sua empresa, a P-21, recebeu R$ 2 milhões ao prestar serviços de consultoria a três empresas privadas e a uma federação de empresários, entre 2009 e 2010. Dois de seus clientes receberam recursos da prefeitura. Um deles em sua gestão, que terminou em 2008. O outro foi na atual administração, de Márcio Lacerda (PSB), que Pimentel ajudou a eleger. Num governo abalado neste ano pela queda de sete ministros – um deles, Antonio Palocci, por ganhos milionários com consultoria –, Pimentel está desconfortável na situação de ter de explicar como ganhou dinheiro fora da vida pública. Mais delicado: ele é o ministro mais próximo da presidente Dilma Rousseff, de quem é amigo há mais de 30 anos. Nesta entrevista, Pimentel afirma que seu desempenho como consultor não está relacionado a sua gestão como prefeito, mas às amizades.
ÉPOCA – Quais consultorias o senhor prestou?
Fernando Pimentel – Prestei quatro consultorias. Estou com todas as notas fiscais aqui. Um contrato maior com a Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) para prestar serviços ao Ciemg (Centro das Indústrias do Estado de Minas Gerais). Trabalhei orientando, assessorando e dando as diretrizes dos programas que a Ciemg – e a Fiemg – elaborou. Alguns viraram programas, como o Minas com Sustentabilidade. Fazia reuniões para discutir a conjuntura, fazer análise econômica.
ÉPOCA – O senhor produziu relatórios para a Fiemg?
Pimentel – A Fiemg produziu material. Outro cliente foi a Vitória Engenharia, do Grupo Convap, de Belo Horizonte. O presidente da Convap, Flávio Vieira, é um homem de 85 anos, foi amigo de meu pai. Ele me pediu que o ajudasse a reposicionar a empresa no mercado. A construção pesada começou a aquecer no Brasil, com o PAC. Eu o ajudei a fazer um plano de negócios. Nada a ver com influenciar resultado de licitação no setor público.
ÉPOCA – O senhor deu indicações onde a empresa poderia atuar no setor público?
Pimentel – Do setor público, não. Sugeri que ela se associasse a empresas que conheço em Minas Gerais. A imprensa tem falado sobre minha relação com um empresário, o Roberto Senna, presidente da construtora HAP. Mas poderia falar a mesma coisa da Egesa (construtora), onde sou amigo do Elmo (Teodoro Ribeiro), da Fidens (construtora), onde sou amigo do Fernando Frauches, da (construtora) Barbosa Mello, onde sou amigo do Guilherme (Moreira Teixeira). Todos esses eu encaminhei para parcerias da Convap. Para isso, cobrei dele R$ 514 mil. Não tem contrato. Se eu pedir ao doutor Flávio para fazer um contrato comigo, ele vai ficar ofendidíssimo. O contrato é nota fiscal. Você tem de prestar o serviço, emitir nota e pagar tributo. Foi o que fiz.
ÉPOCA – E a terceira cliente?
Pimentel – A terceira é a QA Consulting, uma empresa de informática. Os sócios são filhos de meu sócio na P-21, Otílio Prado. Eles me pediram ajuda num plano de negócios. Disseram que têm um contrato antigo, prestaram serviço não sei onde. Não tive nenhuma influência nisso. Sugeri que fizessem um serviço de cabeamento para a HAP, que custou R$ 230 mil, R$ 240 mil. Pela consultoria que fiz para eles (QA), cobrei R$ 400 mil em dois anos. Se o Roberto Senna (da HAP) quisesse repassar recursos, ele contratava minha empresa. Tudo vira uma suspeição.
ÉPOCA – E a quarta?
Pimentel – A ETA, indústria de bebidas de Paulista (Pernambuco). Cobrei R$ 130 mil em duas parcelas para um diagnóstico de mercado. Ocorre que essa empresa foi vendida. Os que compraram nem sabem desse trabalho. Está aqui tudo documentado, a nota fiscal para a empresa. Eu tenho outro, que pode aparecer. É a Newcom: R$ 5 mil. Foi uma palestra sobre conjuntura econômica. Montei a P-21 para trabalhar honestamente e sobreviver. Faturei R$ 2 milhões brutos. Foi R$ 1,259 milhão em um ano e R$ 670 mil no outro. Se você tirar os tributos, os custos com escritório, secretária, sobra R$ 1,3 milhão, no máximo. Supondo que retirei tudo na forma de dividendo, o que não é verdade, porque deixei um pouco na empresa, eu teria ganho R$ 1,2 milhão em 24 meses – ou seja, R$ 50 mil por mês. É um salário de executivo médio.
ÉPOCA – O senhor ia pessoalmente aos clientes?
Pimentel – É lógico. São todos meus amigos. Há uma forçação de barra para transformar tudo em coisa suspeita. Aí descobriram que o empresário Roberto Senna (da HAP) responde a um processo junto com o prefeito. Ele responde a um processo comigo e mais 50 pessoas. É um processo de fatos ocorridos em 2001. Estou dizendo, alto e bom som: sou amigo da maioria dos empresários de Belo Horizonte – e talvez de Minas Gerais. Se isso for crime, sou um criminoso! Se não puder – quando não tenho cargo público – trabalhar usando a experiência que tenho, o que eu vou fazer?
ÉPOCA – Como o senhor aliou a consultoria a sua candidatura ao Senado e à colaboração na campanha da presidente Dilma?
Pimentel – Vamos ver quando foi a última nota fiscal que tirei (procura numa pequena pilha de cópias das notas). Foi no mês 8 de 2010, quando a campanha pegou fogo. É essa da Convap. Eu me afastei da empresa assim que soube que seria ministro, está aqui (pega a alteração do contrato social). Em dezembro de 2010, a administração passou para o Otílio Prado (assessor na prefeitura de Belo Horizonte, ele deixou o cargo na semana passada em meio às acusações). Resumo da ópera: de irregular não tem absolutamente nada.
ÉPOCA – O senhor pode entregar provas de seus trabalhos?
Pimentel – Eles (os clientes) podem, se quiserem. O relatório é deles. Agora, já vou te antecipar: no caso da Fiemg, eles vão ter material para mostrar. Nos outros três, eles têm material interno. Nessa do Nordeste (a ETA), até fiz uma coisa por escrito. Na Convap, eu conversava com o doutor Flávio, ia lá ao escritório dele, ele ia ao meu, nós íamos juntos visitar uma empresa. No caso dos meninos da QA, a mesma coisa.
ÉPOCA – Que empresas o senhor visitou com o Flávio?
Pimentel – Várias dessas que mencionei. Precisamos esclarecer: no Brasil, quando o cidadão não tem cargo público, ele pode trabalhar? Estou respondendo isso tudo aqui para vocês porque não tenho nada a esconder. Nada! Tudo o que fiz está dentro da lei. Eu podia virar para vocês e falar: “Não dou a menor satisfação”. Estou falando porque hoje sou ministro. Quero deixar bem claro que não tem problema nenhum.
ÉPOCA – Qual é a diferença entre seu caso e o do ex-ministro Antonio Palocci?
Pimentel – O caso do ministro Palocci é o dele... Imagina! Eu vou julgar o Palocci? O Palocci tem os problemas dele. Deixa ele resolver os problemas dele. Estou falando de outra coisa, que pode se aplicar a mim, ao Palocci, a quem for. A lei é parâmetro? Se for, já perdemos 40 minutos de nosso precioso tempo, porque está tudo dentro da lei.
ÉPOCA – Como consultor, o senhor esteve em órgãos públicos?
Pimentel – Não, que eu me lembre, não. Nunca acompanhei ninguém em lugar nenhum.
ÉPOCA – O senhor diz que ganhou R$ 50 mil mensais na consultoria. Era mais do que o senhor estava acostumado a receber?
Pimentel – Era mais, uai. Eu era feliz e não sabia (risos). Como prefeito, eu ganhava uns R$ 18 mil líquidos.
ÉPOCA – O escritório da P-21 está ativo?
Pimentel – A secretária está lá porque ainda tenho contas que chegam, para pagar e tal. Com essa confusão toda, vou até desativar.
Fonte: Revista Época
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