quinta-feira, 25 de março de 2010

Continuidade e mudança

De Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi:

Depois que concedeu sua entrevista-revelação, o governador José Serra entrou em campo. Deixemos de lado a discussão de por que resolveu fazê-lo de forma tão estranha, creditando sua escolha ao pendor que demonstra ter pelo inusitado. Das muitas coisas extraordinárias que fez nesta campanha — e das muitas que, provavelmente, fará até a eleição —, foi apenas mais uma.

Com ela — salvo algo ainda mais esquisito —, só resta uma dúvida a respeito do cardápio que o sistema político vai apresentar aos eleitores em 3 de outubro. Terá Ciro Gomes gás para manter sua candidatura?

Conseguirá atrair apoios fora do PSB para aumentar seu tempo de televisão? As chances não são grandes, considerando o realismo com que se movimentam as siglas ainda não comprometidas.

O mais provável é que acabem por preferir um dos polos principais.

Se ele e Marina ficarem no páreo, a hipótese de uma decisão no primeiro turno se reduz muito. Mesmo com pouca televisão, a soma de seus votos deverá ficar, no mínimo, em torno de 15% (pelo que dizem as pesquisas atuais), aos quais se deve acrescentar algo perto de 3% , que é uma estimativa razoável do que farão os vários nanicos que se animam a concorrer.

Nem Dilma nem Serra, mesmo nos sonhos mais otimistas, imaginam que terão vantagem tão grande, maior que 20 pontos percentuais, sobre o outro.

Sem Ciro, a possibilidade aumenta. É bom lembrar que o deputado é a primeira opção de quem só conhece dois candidatos, ele e o governador de São Paulo. Muitos de seus eleitores poderão, portanto, se interessar por outras possibilidades, à medida que as conhecerem na campanha.

Dilma, principalmente, mas também Marina, vão receber parte expressiva do voto que ficará órfão se ele não garantir a candidatura. Hoje, esse voto tende a ir quase todo para Serra.

Não importa tanto, porém, se o desfecho se dará no começo ou no fim de outubro. Passa-se o tempo e o que permanece é quem ganhou, independentemente de ter sido em uma consagradora vitória no primeiro turno ou em uma disputa apertada no segundo.

Para o que Lula é hoje, faz alguma diferença ele ter tido que enfrentar Alckmin duas vezes em 2006? Seria ele maior se tivesse vencido de uma vez?

O fato é que será nossa primeira eleição presidencial com um ingrediente que, na democracia, é inteiramente habitual: uma candidatura que se apresenta com a bandeira da continuidade, que promete que vai manter tudo o que faz o governo.

Isso, no Brasil, já é normal nos estados e nos municípios, mas ainda não aconteceu em uma eleição de presidente da República — excluídos os casos de reeleição, que são bem diferentes).

E não é por acaso, pois é a primeira vez que um governo chega ao fim melhor do que começou, com um nível de aprovação popular que é mais que o dobro das expectativas positivas que reunia quando era apenas uma promessa, lá em 2002.

Na política, como em outras coisas da vida, quem ocupa uma posição limita as possibilidades de quem vem a seguir. Dilma encarna a continuidade com naturalidade (pois fez e faz parte do governo) e legitimidade, que lhe é assegurada pela única pessoa em condição de fazê-lo: Lula.

Se o governo é dele, cabe a ele (e só a ele) dizer quem o simboliza na eleição. Ninguém pode se apresentar como continuidade sem seu endosso.

Só resta aos outros concorrentes um lugar igualmente nítido: o da descontinuidade, ou seja, da mudança. Ainda que nenhum candidato (fora Dilma) queira, a eleição vai se tornar, mais cedo ou mais tarde, um confronto entre continuidade e mudança.

Pelo que afirmam Serra, Ciro e Marina, nenhum deles, ganhando, mudaria “as coisas que dão certo”, o que não quer dizer nada para o eleitor.

Segundo as pesquisas, o que a maioria deseja não é uma promessa tão óbvia, mas algo mais concreto: a continuidade mesmo, a que querem as pessoas que se encontram satisfeitas com a situação que vivem.

Quando estão insatisfeitos, os eleitores querem mudança e a procuram nas diversas formas que pode assumir, no centro, na direita ou na esquerda, de acordo com suas convicções. A mudança tem vários rostos.

A continuidade, ao contrário, é uma só. Para os que a preferem, basta saber quem a representa.

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